ESCUTA, ZÉ NINGUÉM! - WILHEM REICH
O livro Escuta, Zé Ninguém! Foi escrito por Reich um mestre da ciência do corpo atrelada à psiquê humana, em 1948, quando foi preso, por portar uma caixa acumuladora de energia orgone (de sua invenção), mas os adidos lhe pediram "nota fiscal", um mote da perseguição implacável que vinha sofrendo. O referido livro foi escrito na prisão, é contundente, revelador do caráter do "homem comum" "o funcionário padrão", que ao mesmo tempo carrega consigo a marca mais profunda do que Reich denomina "a peste emocional".
O texto continua novo e mais do que nunca aplicável aos nossos dias e seres que se dizem humanos.
Ganhei o livro em 1982 de um professor (quando cursava o 2º ano do curso de Psicologia) que alegou que as idéias e ideias nele expressos tinham sintonia com meu pensamento.
Naquela época, foi vibrante ler, pois além de identidade ideológica, ajudava-me expressar muita raiva por sentir-me impotente diante de tanta injustiça e impunidade que presenciava.
Toda vez que me vejo diante de algo que assola meus sentidos e é maior do que minhas forças podem alcançar, volto ao texto e lá encontro o alimento que subsidia a emoção avassaladora, nesta data, escolho o trecho que segue:
"(...) És assim, Zé Ninguém. Bom na acumulação e no discompêndio, mas incapaz de criar. E é por isso que és o que é, toda a vida fechado num escritório solitário ou agarrado ao estirador, preso no colete-de-forças conjugal, ou professor das crianças que odeias. Incapaz de progredir ou gerar algo de novo, porque és capaz de servir-te do que outros te oferecem em bandeja de prata.
Não entendes porque é assim, porque não pode ser doutra maneira? Eu digo-te, Zé Ninguém, porque eu aprendi a ver-te como o animal rígido que me trazia no seu vazio, na sua impotência, na sua doença mental. Só sabes sorver e apanhar, não sabes criar ou dar, porque a atitude básica do teu corpo é a retenção e o despeito; porque entras em pânico de que vez que sentes os impulsos primordiais do AMOR e da DÁDIVA. É por isso que tens medo de dar. A tua permanente avidez só tem um significado: és continuamente forçado a encher-te de dinheiro, de satisfações, de conhecimento porque te sentes vazio, esfomeado, infeliz, ignorante e temendo a sabedoria. É por isso que foges da verdade, Zé Ninguém - ela poderia fazer-te amar. Saberias então o que tento, inadequadamente, dizer-te. E isso tu não queres, Zé Ninguém. Só queres que te deixem em paz como consumidor e patriota.
"Oiçam isto! Este tipo nega o patriotismo, a base do Estado e do seu órgão fundamental, a família! Isto não pode ficar assim!"
É assim que gritas "aqui-d'el-rei" quando alguém te denuncia a prisão de ventre mental. Não queres nem ouvir nem saber, queres berrar "vivas". Mas porque não me deixas dizer-te por que razão é incapaz de alegria? Vejo-te o susto nos olhos - sente-se até que ponto o assunto te afecta profundamente. A "questão religiosa", por exemplo. Afirmas defender a "tolerância religiosa"; afirmas o teu direito à liberdade em matéria religiosa. Perfeito. Mas queres mais: queres que a tua religião seja a única. És intolerante quanto às outras. Ficas desesperado quando encontras alguém que, em vez de um Deus pessoal, adora a natureza e procura entendê-la. Preferes que os cônjuges em vias de separação se processem judicialmente, se acusem de imoralidade ou de brutalidade quando já não lhes é possível viver juntos. Tu, que és descendente de homens rebeldes, és incapaz de reconhecer o divórcio por mútuo consentimento - porque a tua própria obscenidade te assusta. Queres a verdade num espelho, algures onde não possas chegar-lhe. O teu "chauvinismo" decorre naturalmente da tua rigidez, da tua prisão de ventre mental, Zé Ninguém. E não digo com sarcasmo, porque te estimo, embora seja teu hábito esmagar os que te estimam e dizem a verdade. (...)
Desejas amar e ser amado, amas o teu trabalho e é dele que vives, e a base do teu trabalho é o meu conhecimento e o de outros. O amor, o trabalho e o conhecimento não tem pátria, não conhecem fronteiras nem uniformes. São internacionais, são o patrimônio da humanidade. Só que tu preferes o teu patriotismo medíocre, porque tens medo do amor genuíno, do trabalho responsável, medo do conhecimento. E por isso exploras o amor, o trabalho e o conhecimento dos outros, mas nunca poderás criar. Por isso usas a tua alegria como um ladrão furtivo, por isso não consegues suportar sem azedume e inveja a felicidade dos outros. (...)
És incapaz de me encarar quando me acusas de imoralidade. Porque sabes bem qual de nós é imoral, obsceno e pornográfico. (...)
Na tua estupidez obstinada julgas possuir o reino da liberdade. Hás-de acordar do teu pesadelo estendido de borco no chão. Porque roubas o que te dão e dás o que te roubam. Confundes o direito à liberdade de expressão e crítica com o comentário irresponsável e a graça parva. Desejas criticar, mas não queres ser criticado, o que te destrói. Queres poder atacar a coberto de qualquer ataque. É por isso que jogas na sombra."
Dedico esse pequeno texto, aos "superiores hierárquicos" - "identificados" em demasia com o poder - que até se esquecem que lidam com pessoas, pois tomam estas por sim mesmos - máquinas rígidas que são, que Alá se compadeça de suas almas, pois não são afeitos à reflexão em profundidade, sofrem de prisão de ventre e problemas intestinais, tamanha a retenção de energia e controle que pensam exercer sobre os outros... quem dera pudessem controlar ou acercarem-se de si mesmos!
Vania Longo - 19/12/2009 - 1h53 - Grandioso és TU que habitas na minha alegria e acolhe-me na tristeza!