sábado, 28 de novembro de 2009

RELAÇÕES FAMILIARES NA LITERATURA

Retomando os autores que tratam das relações Familiares, convido para o diálogo Fiódor Dostoiévski - um escritor russo em:
OS IRMÃOS KARAMÁZOV
Essa obra aborda a família Karamázov e a morte do pai por um dos filhos = parricídio.
Um dos irmãos é religioso e esse discurso ou apelo está muito presente na narrativa.
A psicanálise aborda o desejo da morte do pai pelo filho no complexo de édipo, tão explorado pelo senso comum (presente na novela global MANDALA, veiculada há um tempo atrás). É importante salientar que ao mesmo tempo que deseja a morte sente-se culpado, assim está instalado o conflito inconsciente. Que me perdoem os psicanalistas pela abordagem superficial, mas não é meu intuito aprofundar a questão.
A religião é utilizada para expiação dos pecados, aplacar as culpas, e às vezes penso que também a acirra, dependendo da religião e do religioso, ou seja da leitura que é feito das escrituras sagradas.
Vou destacar aqui um trecho da pág. 284 - Dentro do subtítulo: e) Do religioso russo e de seu possível papel:
"(...) Nada de admirar que os homens tenham encontrado sua servidão em lugar da liberdade, e que em lugar de servir à fraternidade e à união, tenham caído na desunião e na solidão, como mo dizia outrora meu visitante misterioso e mestre. De modo que a idéia do devotamento à humanidade, da fraternidade e da solidariedade desaparece gradualmente do mundo; na realidade, acolhem-na mesmo com derrisão, porque como desfazer-se de seus hábitos, onde irá aquele prisioneiro das necessidades inúmeras que ele próprio inventou? Na solidão, preocupa-se muito pouco com a coletividade. Afinal de contas, os bens materiais aumentaram e a alegria diminuiu.
Bem diferente é o caminho do religioso. Zombam da obediência, do jejum, da oração, entretanto é a única via que conduz à verdadeira liberdade; suprimo as necessidades supérfluas, domo e flagelo pela obediência minha vontade egoísta e orgulhosa, chego assim, com ajuda de Deus, à liberdade do espírito e com ela à alegria espiritual! Qual dentre eles é capaz de exaltar uma grande idéia, de pôr-se à serviço, o rico isolado ou o religioso liberto da tirania dos hábitos? Censura-se ao religioso o seu isolamento: 'Tu te retiraste para um mosteiro para cuidar de tua salvação, e desertastes a causa fraternal da humanidade'. Mas vejamos quem serve mais à fraternidade. Porque o isolamento está do lado deles e não do nosso, mas eles não o notam. Foi do nosso meio que saíram outrora os homens de ação do povo. Por que não será assim em nossos dias? Esses jejuadores e esses taciturnos mansos e humildes se erguerão para servir a uma nobre causa. É o povo quem salvará a Rússia. O mosteiro russo sempre esteve com o povo. Se o povo é isolado, nós também o somos. Ele partilha de nossa fé e um político incréu jamais fará nada na Rússia, seja embora sincero e genial.Lembrai-vos disso. O povo derrubará o ateu e a Rússia será unificada na ortodoxia. Preservai o povo e velai pelo seu coração. Instruí-o na paz. Eis vossa missão de religiosos, porque esse povo traz Deus em si.
Continuarei... 28/11/09 -23h07

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

MENSAGENS NA REDE ANIMAIS VIOLENTADOS

O GOSTO MÓRBIDO DO HUMANO
Quando recebo mensagens com massacres, violência e agressividade, algo racional em mim entende que alguns se preocupam e intentam parar com atitudes tão hediondas, outro lado recepta e é afetado, pois é da ordem do afetivo, algo que não controlamos.
Por isso sabiamente os ensinamentos das tradições dizem que não devemos nos expor a cenas e ou filmes de violência, pois como humanos já tendemos grandemente ao pessimismo, não precisamos nenhuma dose suplementar desse alimento nocivo.
O sentimento que me afeta, causa um pesar e o corpo pesa, o pensamento fica lento, letárgico, fico com as imagens polulando minha mente por um bom tempo... e não canso de me perguntar - por que? Por que fazem, por que vemos, por que nos impressionamos...
Busco rebater a sensação, segundo a sabedoria da homeopatia, igual cura igual. Então procurei em Fernando Pessoa algo que aplacasse a morbidez:
"O sono que desce sobre mim,
O sono mental que desce fisicamente sobre mim,
O sono universal que desce individualmente sobre mim -
Esse sono
Parecerá aos outros o sono de dormir,
O sono da vontade de dormir,
O sono de ser sono.
Mas é mais, mais de dentro, mais de cima:
É o sono da soma de todas as desilusões,
É o sono da síntese de todas as desesperanças,
É o sono de haver mundo comigo lá dentro
Sem que eu houvesse contribuído em nada para isso.
O sono que desce sobre mim
É contudo como todos os sonos.
O cansaço tem ao menos brandura,
O abatimento tem ao menos sossego,
A rendição é ao menos o fim do esforço,
O fim é ao menos o já não haver que esperar.
Há um som de abrir uma janela,
Viro indiferente a cabeça para a esquerda
Por sobre o ombro que a sente,
Olho pela janela entreaberta:
A rapariga do segundo andar de defronte
Debruça-se com os olhos azuis à procura de alguém.
De quem?,
Pergunta a minha indiferença.
E tudo isso é sono.
Meu Deus, tanto sono!...
Estou tonto,
Tonto de tanto dormir ou de tanto pensar,
Ou de ambas as coisas.
O que sei é que estou tonto
E não sei bem se me devo levantar da cadeira
Ou como me levantar dela.
Fiquemos, nisto: estou tonto.
Afinal
Que vida afiz eu da vida?
Nada.
Tudo interstícios,
Tudo aproximações,
Tudo função do irregular e do absurdo,
Tudo nada.
É por isso que estou tonto...
Agora
Todas as manhãs me levanto
Tonto...
Sim, verdadeiramente tonto...
Sem saber em mim e meu nome,
Sem saber onde estou,
Sem saber o que fui,
Sem saber nada.
Mas se isto é assim, é assim.
Deixo-me estar na cadeira,
Estou tonto.
Bem, estou tonto.
Fico sentado
E tonto,
Sim, tonto,
Tonto...
Tonto.
Fernando Pessoa - Ficções do Interlúdio/4 - Poesias de Álvaro de Campos.
A tontura, a vertigem, o distanciar da consciência, o sono, o dormir... essas sensações são acionadas rapidamente diante da violência, do mórbido...
Então para quê ver?
Proponho um zoom no cérebro que busque o horizonte, não é negar a realidade, afinal o que é real?
Vania Longo - 27/11/09 - 23h34

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

NÃO AOS E-MAILS COM ANIMAIS MALTRATADOS

PARA QUE MULTIPLICAR A DOR PELA REDE WWW?
Escrevi esse texto e o "perdi" com a queda de energia, lamentei, mas escrevi o texto que segue. Ao verificar os arquivos descobri que esse estava salvo em rascunho. Então temos duas leituras em dois momentos distintos sobre a mesma situação.

Sei que quem envia e-mail com animais em sofrimento, pode ter a intenção de "ajudar", mas deve haver outro jeito de parar com a barbárie...


Não vou aqui me arvorar em dar receitas, mas penso do alto dos meus 47 anos que o gosto mórbido pela dor e sofrimento é antigo e é mais humano do que gostaríamos ou pensamos.


Sei também que o negativo está impregnado principlamente na mente, nos pensamentos e é bem difícil nos desvencilharmos dele.


Não custa tentar... diga não, evite, substitua em você tudo que é tragado pela força da gravidade, é uma luta, mas quem disse que viver é fácil, viver como humano na excelência que guarda essa palavra então... nem se diga!


Esta página de hoje foi motivada por um e-mail que recebi com um cão nadando ensanguentado e os "humanos" fotografando, "registrando o momento" não sei para que nem por que!


O que fica em meu sentimento, um peso, um pesar, um desmantelo que causa déficit energético.


Busquei em Fernando Pessoa algo que pudesse aplacar essa sensação medonha:


"O sono que desce sobre mim,

O sono mental que desce fisicamente sobre mim,

O sono universal que desce individualmente sobre mim -

Esse sono

Parecerá aos outros o sono de dormir,

O sono da vontade de dormir,

O sono de ser sono.


Mas é mais, mais de dentro, mais de cima:

É o sono da soma de todas as desilusões,

É o sono da síntese de todas as desesperanças,

É o sono de haver mundo comigo lá dentro

Sem que eu houvesse contribuído em nada para isso.


O sono que desce sobre mim

É contudo como todos os sonos.

O cansaço tem ao menos brandura,

O abatimento tem ao menos sossego,

A rendição é ao menos o fim do esforço,

O fim é ao menos o já não haver que esperar.


Há um som de abrir uma janela,

Viro indiferente a cabeça para a esquerda

Por sobre o ombro que a sente,

Olho pela janela entreaberta:

A rapariga do segundo andar de defronte

Debruça-se com os olhos azuis à procura de alguém.

De quem?,

Pergunta a minha indiferença.

E tudo isso é sono.


Meu Deus, tanto sono!...

Estou tonto,

Tonto de tanto dormir ou de tanto pensar,

Ou de ambas as coisas.

O que sei é que estou tonto

E não sei se bem se me devo levantar da cadeira

Ou como me levantar dela.

Fiquemos, nisto: estou tonto.


Afinal!

Que vida fiz eu da vida?

Nada.

Tudo interstícios,

Tudo aproximações,

Tudo função do irregular e do absurdo,

Tudo nada.

É por isso que estou tonto...


Agora

Todas as manhãs me levanto

Tonto...


Sim, verdadeiramente tonto...

Sem saber em mim e meu nome,

Sem saber onde estou,

Sem saber o que fui,

Sem saber nada.


Mas se isto é assim, é assim.

Deixo-me estar na cadeira,

Estou tonto.

Bem, estou tonto.

Fico sentado

E tonto,

Sim, tonto

Tonto...

Tonto."
Fernando Pessoa - Ficções do Interlúdio/4 - Poesias de Álvaro de Campos.
Vania Longo - 26/11/2009

terça-feira, 24 de novembro de 2009

A SOMBRA E A PERCEPÇÃO NO CINEMA

OS MISTÉRIOS DO REAL E DO IMAGINÁRIO - EDGAR MORIN
Estou lendo O Cinema ou o Homem Imaginário de Edgar Morin, outro autor estupendo, não percam! O livro foi escrito em 1956 e vocês não imaginam a profundidade!
Vou transcrever um trecho da página 56 do Capítulo - Dificuldade e Gênio do Cinematógrafo:
"A visão cinematográfica ganha corpo a partir das sombras que se movem sobre o ecrã (quadro branco onde se projeta a imagem de um objeto - Dicionário Aurélio). A substancialização está, pois, directamente ligada à densidade, ou melhor, à a-densidade do não ser, do grande vácuo negativo da sombra. Se acrescentarmos que as condições de obscuridade, favoráveis à projeção, o são correlativamente à magia da sombra e, ao mesmo tempo, a uma certa descontracção para-onírica do espectador, há que concluir que o cinematógrafo se acha muito mais marcado pela sombra do que a fotografia. Ou esteve-o, pelo menos, até ao aparecimento da cor, se bem, mesmo depois, ainda hesite entre uma vida de sombra e uma vida de puro reflexo. É possível, digamos mesmo que não há dúvida, que o lado de reflexo irá finalmente acabar por se sobrepor ao da sombra. Mas, a despeito do enriquecimento trazido pela cor, a resistência do preto e branco é significativa (*Na altura em que Morin escreve, o preto e branco "resiste", sobretudo, por razões econômicas). Cinema a cores e cinema a preto e branco são, de resto, tão isótopos como isómeros um do outro. Tendo, pois, em conta as suas possibilidades cromáticas, o cinematógrafo veio inscrever-se na linha dos espetáculos de sombra, do Wayang javanês a Robertson (1763-1837). Compreende-se, assim, melhor o parentesco acima apontado: de caverna em caverna, desde as cavernas de Java, das cavernas dos mistérios helênicos, daquela outra, mítica, de Platão, até às salas escuras, surgem-nos sempre, animadas e fascinantes, as sombras fundamentais do universo dos duplos. (...)
(...) O operador filtra, canaliza ou espalha sombras e luzes, a fim de sobrecarregar ao máximo a imagem de potências afectivas: "ao vivo, o horror nunca é tão aterrador nem a beleza tão envolvente, como o horror e o encantamento que a sombra nos sugere" (Bela Balazs). Também, inversamente, o operador pode, apagando todos os vestígios de sombra, tornar radiantes a alma a espiritualidade dos rostos. É mesmo possível a sombra substituir-se, dentro dum certo limite, aos actores, e desempenhar o principal papel num filme. No limite contrário, aparece-nos a imagem dum universo que, perdidas as suas sombras, se acha, por isso mesmo, igualmente detentor da virtude qualitativa do duplo. A cor, sem lhe mudar a natureza estética, orienta a imagem sem sentido diferente: o que domina é a qualidade de reflexo. O cinema ganha em encantamento, mas perde em encanto."
No cinema como na vida, o jogo de luz e sombra, a imagem revelada no seu contrário, o encantamento ilusório vencendo o encanto do real. Arte ou vida? Arte e vida! É na completude dos extremos que se busca o caminho do meio do Zen, que pode levar à verdade o buscador!
Que assim seja!
Vania Longo 25/11/2009 - 00h49

A NUVEM DE CALÇAS - MAIACOVSKI

VLADÍMIR VLADÍMIROVICH MAIACOVSKI - O FABULOSO POETA RUSSO
A NUVEM DE CALÇAS
"Vosso pensamento
sonhado por cérebros amolecidos
obesos como lacaios
estirados em divãs sebosos
vou fustigar
com os farrapos sangrentos de meu coração
mordaz e atrevido
até fartar-me de burla.
Na alma não tenho um só cabelo branco.
Nenhuma ternura senil em mim.
Atroando pelo mundo
com voz potente vou
garboso
em meus vinte e dois anos.
Ó delicados!
Vós que pousais o amor sobre ternos violinos
ou, grosseiros, que o pousais sobre os metais!
Vós outros não podeis fazer como eu,
virar-vos do avesso
e ser todo lábios.
Vinde, aprendei!
Venha do salão, toda em batista,
a funcionária solene da liga angelical.
E aquela
que confiante
folheia o livro dos lábios
como a cozinheira o livro de receitas.
Se quiserdes
poderei enlouquecer de carne
ou então -
como um céu cambiando de tons -
serei, se quiserdes,
impecavelmente delicado.
Não serei um homem.
Serei
uma nuvem de calças.
Não creio que no mundo exista
uma Nice plena de florações!
De novo tenho que glorificar
homens cansados como um hospital,
mulheres tão gastas quanto um refrão." (...)
Só para dar um gostinho... o que direi eu? Toda mulher espera um homem tão delicado quanto uma NUVEM DE CALÇAS, que figura de linguagem inesquecível!
Ou ainda: Vós outros não podeis fazer como eu, virar-vos pelo avesso e ser todo lábios.
Que boca é essa (?), que homem é todo lábios (?), que voracidade! Freud diria que tremenda fixação na fase oral! Nós mulheres: que convite a beijos ardentes e corpos sedentos!
Basta de poeta russo, quase dois metros de homem que pode virar-se em lábios!
Vania Longo - 24/11/2009 - 19h19

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

MIA COUTO - UMA DAS MELHORES EXPRESSÕES

Mia Couto - Uma das Melhores Expressões para o meu sentimento
"O coração é como árvore - onde quiser volta a nascer."
(Adaptação de um provérbio moçambicano p. 111)
"De que vale ter voz
se só quando falo é que me entendem?
De que vale acordar
se o que vivo é menos do que o que sonhei?"
(Versos do menino que fazia versos - p.131)
A infinita fiadeira
(A aranha ateia diz ao aranho na teia: o nosso amor está por um fio)
"A aranha, aquela aranha, era tão única: não parava de fazer teias! Fazia-as de todos os tamanhos e formas. Havia, contudo, um senão: ela fazia-as, mas não lhes dava utilidade. O bicho repaginava o mundo. Contudo, sempre inacabada as suas obras. Ao fio e ao cabo, ela já amealhava uma porção de teias que só ganhavam senso no rebrilho das manhãs.
E dia e noite: dos seus palpos primavam obras, com belezas de cacimbo gotejando, rendas e rendilhados. Tudo sem fim nem finalidade. Todo o bom aracnídeo sabe que a teia cumpre as fatais funções: lençol de núpcias, armadilha de caçador. Todos sabem, menos a nossa aranhinha, em suas distraiçoeiras funções.
Para a mãe aranha aquilo não passava de mau senso. Para quê tanto labor se depois não se dava a indevida aplicação? Mas a jovem aranhiça não fazia ouvidos. E alfaiatava, alfinetava, cegava os nós. Tecia e retecia o fio, entrelaçava e reentrelaçava mais e mais teia. Sem nunca fazer morada em nenhuma. Recusava a utilitária vocação de sua espécie.
- Não faço teias por instinto.
- Então faz porquê?
- Faço por arte.
Benzia-se a mãe, rezava o pai. Mas nem com preces. A filha saiu pelo mundo em ofício de infinita teceloa. E em cantos e recantos deixava a sua marca, o engenho de sua seda. Os pais, após concertação, a mandaram chamar. A mãe:
- Minha filha, quando é que assentas as patas na parede?
E o pai:
- Já eu me vejo em palpos de mim...
Em choro múltiplo, a mãe limpou as lágrimas dos muitos olhos enquanto disse:
- Estamos recebendo queixas do aranhal.
- O que é que dizem mãe?
- Dizem que isso só pode ser doença apanhada de outras criaturas.
Até que decidiram: a jovem aranha tinha que ser reconduzida aos seus mandos genéticos. Aquele devaneio seria causado por falta de namorado. A moça seria até virgem, não tendo nunca digerido um machito. E organizaram um amoroso encontro.
- Vai ver que custa menos engolir mosca - disse a mãe.
E aconteceu. Contudo, ao invés de devorar o singelo namorador, a aranha namorou e ficou enamorada. Os dois deram-se os apêndices e dançaram ao som de uma brisa que fazia vibrar a teia. Ou seria a teia que fabricava a brisa?
A aranhiça levou o namorado a visitar a sua coleção de teias, ele que escolhesse uma, ficaria prova de seu amor.
A família desiludida consultou o Deus dos bichos, para reclamar da fabricação daquele espécime. Uma aranha assim, com mania de gente? Na sua alta teia, o Deus dos bichos quis saber o que poderia fazer. Pediram que ela transitasse para humana. E assim sucedeu: num golpe divino, a aranha foi convertida em pessoa. Quando ela, já transfigurada, se apresentou ao mundo dos humanos logo lhe exigiram a imediata identificação. Quem era, o que fazia?
- Faço arte.
- Arte?
E os humanos se entreolharam, intrigados. Desconheciam o que fosse arte. Em que consistia? Até que um mais-velho, se lembrou. Que houvera um tempo, em tempos de que já se perdera memória, em que alguns se ocupavam de tais improdutivos afazeres. Felizmente, isso tinha acabado, e aos poucos que teimavam em criar esses pouco rentáveis produtos - chamados de obras de arte - tinha sido geneticamente transmutados em bichos. Não se lembrava bem em que bichos. Aranhas, ao que parece."
Pergunto: - Em qual teia me teci? De que sou feita? Qual é o meu lugar? Será transitar entre os mundos?
Qualquer hora dessas tecerei a arte de analisar esse maravilhoso conto desse maravilhoso autor, que vocês encontram no livro: "O Fio das Missangas" - Ed. Companhia das Letras.
Vania Longo - 24/11/2009 - 00h30 - vou dormir com um sentimento melhor do que o que me acordou.

UM SONHO ESTRANHO

Essa música amanheceu em meus sentidos:
"Coração americano,
Acordei de um sonho estranho,
Um gosto vidro e corte
Um saber de chocolate
No corpo e na cidade
Um saber de vida e morte (...)"

Um sonho recorrente, com ladrões que invadem, roubam, ameaçam, acuam...
O escape é certo... depois de muita angústia...
"Até quando esperar... até me ajoelhar, esperando ajuda do divino DEUS!"

Um homem recebe de mim a autorização de ser o companheiro indesejado, o colecionador de ossos, o "Barba Azul", aquele que tanto ama a si mesmo e ama amar as mulheres que odeia e destrói...

Mas eu tenho a chave... um sabor de vidro e corte... e uma coragem que alcança o horizonte içando-me com ela!

"As horas não se contavam
E o que era negro adormeceu
Enquanto se esperava
Eu estava em San Vicente
Enquanto acontecia
Eu estava em San Vicente
Coração americano
Um sabor de vidro e corte."

O que é escuro em nós, vive adormecido e desperta no calar da noite escura!
Acua, engrendra sonhos vampirescos, mas sonhos que ensinam o caminho... presta bem atenção:

"A espera na fila imensa
E o corpo negro adormeceu
Estava em San Vicente
A cidade e suas luzes
Estava em San Vicente
As mulheres e os homens
Coração americano
Com sabor de vidro e corte."

Algo enegrecido adormece em nós, mas sempre existe a cidade e suas luzes... a claridade, o conhecimento que ilumina mostrando os caminhos!

Vania Longo 23/11/09 - 12h10

sábado, 21 de novembro de 2009

CAT STEVENS - O RETORNO DE ZIRYAB

OS CÂNTICOS QUE ALCANÇAM O SENHOR
As possibilidades de aprendizagens para um humano são ilimitadas, nessa quinta-feira (19/11/09) tive contato com um CD de Cat Stevens, o cantor cotado para ocupar o lugar de John Lennon, após sua morte.
O CD tem o nome de An Other Cup Yusuf, Yusuf Islam é o nome adotado por Stevens, depois que converteu-se ao islamismo, atitude essa que causou muita polêmica, mas cada homem decide os caminhos que deve trilhar... nesse caminho intuiu proximidade com sua essência - essa é uma busca que justifica o propósito da existência.
Nesse CD ele grava a música Dont'T Let me be Misunderstood que fez sucesso nos anos 70 início de 80 na voz do conjunto Santa Esmeralda.
No meio do encarte do CD tem uma gravura com a legenda: "The Return of Ziryab" - Ziryab, foi discípulo do Ishaq-al-Mawsili (músico da corte do Califa Harun al-Hashid), foi obrigado pelo próprio mestre a abandonar Bagdá com medo de tomar o cargo. Esse superou em fama seu instrutor e viajou para a Espanha em 821 D.C. , onde o príncipe Abdal Rahrnan II fez questão de convidá-lo para ser o músico da corte...
Na contra capa do CD - existe uma pequena história, um conto - que é conhecido como "Uma xícara de chá":
"Um mestre espiritual recebe um professor universitário que veio lhe inquirir sobre os mistérios da vida. Este iniciou um longo discurso sobre suas dúvidas.
O mestre preparava o chá. Serve o chá enquanto o professor continua sua explanação, mas não o interrompe com suas opiniões. Ele encheu completamente a xícara de seu visitante e continuou a enchê-la, derramando chá pela borda. O professor, vendo o excesso de derramando, não pode mais se conter e disse:
"- Está muito cheia, não cabe mais chá."
" Como essa xícara, disse o mestre, você está cheio de suas próprias opiniões e especulações. Como posso eu demonstrar-lhe os mistérios da vida sem primeiro esvaziar sua xícara?"
Cabe aqui uma pergunta: como está sua xícara? Vazia ou cheia?
Com estaria a de Cat Stevens quando busca esse caminho?
Sabemos que essa busca é movida quando nos sentimos vazios, esvaziados com nossos próprios saberes. Esses saberes abarrotam a mente, distanciam o coração e fazem com que o corpo sinta o peso de um enorme fardo, que visivelmente não está lá, mas a sensação de pesar sim... então enquanto não esvaziarmos "nossa xícara", não há espaço para mais nada, muito menos para o novo quiçá o que vem renovar nosso espírito cansado com tanta grosseria de "alimentos" terrenos, mundanos, materiais, ilusão... ilusão... ilusão... ficamos "iludidos com a ilusão" e seguimos até deparam0-nos com a exaustão e parar... prostra-nos diante de alguma doença, mal-estar... que grita o quanto está insustentável... a "parada" se faz necessária!
Que enfado! Quanto suspirar um ar que já não renova mais as forças...
Vania Longo

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

MITOLOGIA CHINESA

PAN GU - O CRIADOR DO UNIVERSO
Na semana passada assisti a uma palestra sobre Educação na China, o apresentador ao historiar brevemente aquela nação, contou esta história, que eu particularmente, como contadora de histórias, amei!
"Há muito e muitos anos atrás, antes do princípio de céu e da terra, o Universo constituía uma confusa massa negra que se assemelhava a um grande ovo, dentro do qual se encontrava em crescimento e dormia a sono solto um gigantesco embrião, chamado Pan Gu.
Passados cerca de 18 mil anos, Pan Gu começou a acordar. Quando finalmente, abriu os olhos e se pôs a olhar em volta, descobriu que tudo era tão negro que não conseguia distinguir nada. Isto o aborreceu muito, tanto que, acabando por ficar enraivecido, abriu a palma da sua enorme mão e, brandindo o seu possante braço, desferiu um violento golpe na confusão negra que o rodeava.
Craque! O ovo estalou com um colossal estrondo, fragmentando-se a negritude que se encontrava estática e condensada nele há centenas de milhares de anos. Na sucessão deste acontecimento, os elementos que eram mais leves subiram lentamente para as alturas e dispersaram-se gradualmente, acabando por se transformar no azul do céu, enquanto que os mais pesados e turvos desceram vagarosamente para as profundezas, transformando-se na terra. De pé, entre o céu e a terra, Pan Gu respirou, então, profundamente, sentindo-se agora muito à vontade e prazenteiro.
O céu e a terra estavam finalmente separados, contudo, Pan Gu, tendo receio de que eles viessem a juntar-se de novo, resolveu sustentar o céu com seus braços levantados, calcando firmemente a terra com os seus pés. Entretanto, o corpo de Pan Gu crescia tão rapidamente que atingia em média três metros por dia, e o céu e a terra distanciavam-se, assim, quotidianamente, cerca de três metros. Passados 18 mil anos, o céu tinha atingido colossais alturas e a terra tinha se tornado extremamente compacta. Entretanto, por mais estranho que possa parecer, Pan Gu tinha crescido descomunalmente. Mas, afinal, qual era agora a altura de Pan Gu? Dizia-se que tinha ultrapassado 45 mil quilômetros. Tinha-se realmente transformado num extraordinário gigante que tocava o céu com a cabeça e tinha os pés firmemente assentes na terra.
Fora justamente graças à força divina de Pan Gu, que o céu e a terra tinham sido criados, e era aagora devido à sua interposição, que estes se mantinham separados, não havendo jamais o perigo de virem a juntar-se de novo. Se bem que a original confusão negra tivesse desintegrado completamente e não fosse mais uma memória do passado, Pan Gu, tinha ficado tão exausto na sua grandiosa obra de criação, que não tardou a morrer de cansaço.
Após a criação do céu e da terra, Pan Gu tinha imaginado poder vir a criar um brilhante e esplendoroso mundo sobre o qual pairassem o sol e a lua, revestido por montanhas, rios e toda uma variedade de coisas, habitados pelos homens e demais seres vivos. Infelizmente, devido à sua morte prematura, não pode realizar esse seu grandioso plano, mas, antes de dar seu último suspiro, ainda teve alento para metamorfosear partes do seu corpo moribundo.
O seu hálito transformou-se em brisa, nas nuvens e nos nevoeiros do céu, e a sua voz no estrondo dos trovões.
O seu olho esquerdo transformou-se no sol resplandecente que ilumina a terra, o seu olho direito na lua brilhante, e os seus cabelos e bigodes na minada de estrelas do firmamento.
Os seus quatro membros e tronco transformaram-se em cinco maciças montanhas - quatro perdendo-se nas extremidades de leste, oeste, sul e norte do planeta, situado no centro do universo.
O seu sangue transformou-se em impetuosos rios que passaram a sulcar a crosta terrestre, e os seus tendões, em caminhos que intercomunicam todos os pontos do globo.
Os seus músculos transformaram-se em terras férteis, e os seus dentes, ossos e tutano, respectivamente, em pérolas, jade e inesgotáveis recursos minerais subterrâneos.
Os pêlos do seu corpo transformaram-se na relva e nas árvores que abundam, disseminadas por todo o mundo, e o seu suor, na chuva e na garoa que são o alimento de todas as plantas.
Em resumo, se bem que a criação do universo se devesse inteiramente aos esforços divinos e ao espírito de abnegação do gigante Pan Gu, a maravilhosa variedade, exuberante riqueza e íntima beleza deste mundo, são produtos do seu corpo.
Conta-se ainda que a raça humana gerou-se a partir da sublimação da alma do grande gigante, o que significa serem todos os serem humanos descendentes de um antepassado comun: Pan Gu. Não é de estranhar que a humanidade, enquanto espírito do universo, tenha sido capaz de - graças à sua superioridade - controlar tudo quanto existe na superfície da terra, de arrasar montanhas, de modificar o curso de rios e mesmo transformar a Natureza de uma maneira mais benéfica, duradoura e propícia aos próspero futuro de todos os seres humanos."
Um mito chinês sobre a criação, a gênese do mundo, da humanidade, com um final em nada constatado, distante do maravilhoso mundo mitológico que previa prosperidade. Infelizmente a humanidade vem destruindo a Natureza e o próprio espírito gigantesco e de transformação generosa e abundante de Pa Gu, como todo ser divino, ele deve estar assistindo a derrocada, e talvez se perguntando: - "O que eu Fiz?". Mas é certo que todo ser divino tem um propósito para sua criação, qual será o de Pa Gu?
Arrisquem seus palpites, eu gostaria imensamente de ver as hipóteses que aventam!
Animem-se, escrevam aqui nos comentários.
Abraços
Vania 19/11/2009 - 1h06

sábado, 14 de novembro de 2009

SOBRE A MORTE E O MORRER

SOBRE A MORTE E O MORRER
Certa feita ouvi um senhor em idade avançada dizer: "O amor nasce de quase nada e morre de quase tudo".
Dá um bom tratado esse pensamento...
O quase nada é desse jeito mesmo, intangível, imensurável, irremediável, incontrolável e tudo que tem "in" - não anda só, vem acompanhado de seus parceiros não muito amigáveis: inconsequência, instabilidade, indefinição, intolerância, etc.
O tempo é o grande medidor e sábio... e a prova do tempo é que dirá a natureza dessa amor, que na maioria das vezes não passa do primeiro estágio: a paixão.
E a paixão... eh! paixão... sem ela não há cor, com ela há cor demais, como colocá-la em equilíbrio? Tai uma receita que eu gostaria de ver, pois equilibrada perde a identidade que a caracteriza com o insandecimento, o desvario, a loucura, o vexame... o querido Roberto Freire - Psicólogo e Escritor de vários livros importantes em minha vida, escreveu um livro chamado: AME E DÊ VEXAME! Era um anarquista por natureza criou a somaterapia cujo trabalho tive a honra de vivenciar em sua gênese no Rio de Janeiro em 1981 num encontro sobre Reich outro psicólogo brilhante... ambos, loucos... apaixonados e apaixonantes!
Os vexames... fogem ao nosso controle e fere a ordem estabelecida das coisas, o status quo, por isso é político, pois ao desequilibrar uma ordem absoluta - relativiza aquele estado de coisas externos e internos, pois nada é isolado (só fora ou só dentro de nós).
O organismo não suporta o desequilíbrio, Piaget como bom biólogo já falou disso, em situação de alerta e ameaça o organismo busca recompor-se, busca a homeostase (lembram das aulas de Ciências e Biologia?), o equilíbrio... e o que é equilibrante é singular, pertence àquele criatura que ali está dando seu show particular...
Damos vexame, algo em nós irrompe, estava sufocado, intolerável e sai... ganha expressão, vulto, voz e vez!
Após o vexame o retorno ao próprio centro (essência... tão difícil de encontrar), e lá é que são elas, pois o diálogo é consigo ou com o Grande Outro (inconsciente), não com o outro significativo que está fora de mim.
Esse diálogo dá o matiz e a medida da paixão, do sentimento, desse acometimento insandecido e sinaliza os caminhos... caminhar é com o caminhante...
Cada caminho uma sentença, não adianta culpar o outro, somos nós quem nos aprisionamos, deixamos nos acorrentar, como diz Martinho da Vila: "Me fez seu prisioneiro, deixei-me acorrentar e meu resgate eu sei, nem penso estipular. Mas nesta história há um porém, me escravizei porque eu quis, se hoje sou carente, nem penso em ser juiz!"
Toda prisão é blindada pela mente e a mente mente, é uma ilusão... então caríssimos o que nos impede de ver? A cegueira não é dos olhos é da alma... como curá-la?
Há cura?
...contunarei... Vania Longo 14 de novembro de 2009 - 14h32.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

ANOS 70 - MARTINHO DA VILA NA VILA PALMARES

MINHA AMIGA
Martinho da Vila
Minha amiga
Viver intensamente é conviver com as ilusões
E ao se desiludir, jamais fugir das seduções
Quem me guia é o coração
E a libido inconsequente é quem comanda a emoção
Minha amiga
Eu confesso que vivi
Me entreguei e possui
deixei fluir a emoção
E a libido inconsequente dividir o coração.
Minha figa, minha crença e benesse
Sua energia me rejuvenesce
Sua apatia muito me entristece
Minha reza é sua prece
Não se esquece
Que é meu o ombro amigo que procura se carece
Sou eu quem lhe conforta quando está carente
Se comete erros, sou o confidente
Como não percebe o que está tão evidente, meu querer
Estou perdidamente apaixonado por você
Estou perdidamente apaixonado por você
Estou perdidamente apaixonado por você
Quem nos olha logo vê
Que estou apaixonado
Estou apaixonado
Estou apaixonado por você
Je suis completèmente passioné pour toi
Je suis perdemûnt passioné pour toi
Qui nous regarde voit tout de suite
Que je suis passioné
Je suis passioné
Je suis passioné pour toi
Por você amiga, por você
Por toi mon ami, pour toi
Essa música tem uma profunda memória afetiva... eu tinha então apenas 13 anos, cursava a 7ª/8ª série... e preferia conversar com os garotos... me achava extremamente feia e magra, por isso nada atraente, mas me sabia inteligente e então usava e abusava do recurso intelectual.
Conversava sobre todos os assuntos com os garotos.
Na viagem de Formatura a Poços de Caldas, foram as revelações, o que eu denominava amizade era paixão... alguns meninos revelaram seu enamoramento e eu me desencantei e me afastei deles...
E ouvi essa música que hoje do alto dos meus 47 anos soa muito romântica, mas na época eu ficava indignada, sentia-me traída com esta "relação desleal"... coisas de adolescente?
É um bom estudo psicológico, quiçá terapêutico.
Vania Longo 12/11/09 - 00h22

terça-feira, 10 de novembro de 2009

SAGARANA - GUIMARÃES

O mestre, talvez o maior de nossa literatura... ainda voltarei nele com as Relações Familiares e outros estudos, mas hoje estou aqui por Sagarana, que hoje devolverei ao se verdadeiro dono, bem ao modo de "devolva o Neruda que você me tomou e nunca leu..." (Chico Buarque).
À página 35 registra: "Mas tinha cometido um erro. O primeiro engano seu nesse dia. O equívoco que decide do destino e ajeita caminho à grandeza dos homens e dos burros. Porque: 'quem é visto é lembrado', E o Major Saulo estava ali (...)"
Cometemos enganos ao longo da vida e até mesmo eles forjam experiências peculiares em nós, mas nunca é tarde para reconhecer e retomar...
Vania Longo 10/11/2009 - terça-feira - 19h21

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

JORGE LUIZ BORGES - O REAL E O FICCIONAL

Não li praticamente nada de Borges, contudo assino a revista Literatura e na edição de nº 26 - possui uma matéria denominada "Jorge Luiz Borges - Uma jornada pelos labirintos narrativos de 'O Aeph'". Lendo a matéria tão bem construída por Rodrigo de Oliveira Cardoso - graduado em Letras pela UFRJ, deparei-me com algo de notável envergadura literária - "Borges acaba admitindo, através de um de seus personagens, que acredita que o real seja de uma complexidade não compartilhada pelo ficcional":

"- Não multipliques os mistérios - disse.
- Estes devem ser simples. Lembra a carta roubada de Poe, lembra o quarto fechado de Zangwill.
- Ou complexos - replicou Dunraven.
- Lembra o universo."

... "Mistérios sempre há de pintar por aí"...(Gilberto Gil)... coloque sua atenção em si e verá o real mistério! Mas se prefirir continue imaginando - entregando-se a delírios ficionais em sua própria vida... é só não lamentar quando "acordar" que ela passou enquanto você sonhava...

Refletir sobre si... eis o mistério... e o desafio!

Abraços
Vania Longo - terça-feira - 10/10/09 - 00h39.

domingo, 8 de novembro de 2009

CORPO - ESSÊNCIA - PERSONALIDADE

Um dos mestres ao qual presto reverência pela profundidade dos ensinamentos de sua escola viva é George Ivanovich Gurdjieff.
Participei por 4 anos do Grupo Gurdjieff de S. Paulo e é um trabalho que marcou fundo em mim... tenciono voltar a qualquer hora; pois não tenho disciplina para realizar sozinha o trabalho sobre mim.
Em agosto de 1922 em Paris - Gurdjieff falou aos seus alunos acerca de corpo - essência - personalidade, vou transcrever trechos a seguir:
"Quando o homem nasce, três máquinas distintas nascem com ele e continuarão a se desenvolver até a sua morte. Essas máquinas não têm nada em comum entre si: são nosso corpo, nossa essência e nossa personalidade. A formação delas não depende em nada de nós. O futuro desenvolvimento de cada uma delas depende dos dados que o homem traz em si e dos dados que o cercam, tais como o meio, as circunstâncias, o modo de vida, etc. Para o corpo, esses dados são a hereditariedade, as condições geográficas, a alimentação e o movimento. Eles não afetam a personalidade. Durante a vida de um homem, a personalidade se constitui exclusivamente a partir do que ele ouve e do que ele lê.
A essência é puramente emocional. É, antes de tudo, o resultado dos dados hereditários que precedem a formação da personalidade e, mais tarde, unicamente o resultado da influência posterior das sensações e dos sentimentos no meio dos quais o homem vive, se desenvolve.
O desenvolvimento das três máquinas se inicia desde os primeiros dias de vida. Todas três se desenvolvem independentemente uma das outras. Pode ocorrer, por exemplo, que o corpo comece sua vida em condições favoráveis, num terreno sadio e, consequentemente, se mostre corajoso; mas isso não significa necessariamente que a essência do homem em questão seja semelhante. Nas mesmas condições, a essência pode se revelar fraca e covarde. Um homem pode ter um corpo corajoso contrastando com uma essência pusilânime. O desenvolvimento da essência não segue necessariamente o desenvolvimento do corpo. Um homem pode ser muito forte e saudável e, no entanto, ser medroso como um coelho.
O centro da gravidade do corpo, sua alma, é o centro motor. O centro de gravidade da essência é o centro emocional e o centro de gravidade da personalidade é o centro intelectual. A alma da essência é o centro emocional. Do mesmo modo que um homem pode ter um corpo cheio de saúde e uma essência covarde, a sua personalidade pode ser ousada e a sua essência temerosa. Tome, por exemplo, um homem sensato. Ele estudou, sabe que podem acontecer alucinações e sabe também que elas não são reais nem podem ser. Em sua personalidade, não as teme, mas a sua essência mesma tem medo delas. Se a sua essência assistir a um fenômeno desse tipo, não poderá deixar de ficar apavorada. O desenvolvimento de um centro não depende do desenvolvimento de um outro centro, e um centro não pode transmitir o seu material a outro.
É impossível dizer categoricamente que um homem é isso ou aquilo. Um dos seus centros pode ser ousado, outro tímido; um pode ser bom, outro mau, um pode ser cheio de sensibilidade, outro grosseiro; um dará de bom grado, outro hesitará em dar ou se mostrará totalmente incapaz disso. Por essa razão, é impossível dizer: bom, corajoso, forte ou perverso.
Como já o dissemos, cada uma dessas três máquinas representa a seu modo a cadeia inteira, o sistema total em sua relação com a outra ou com a terceira.
Por si mesma, cada máquina é muito complicada, mas é muito simples colocá-la em funcionamento. Quanto mais complicadas forem as peças da máquina, menos numerosas serão as alavancas de comando. Entretanto, o número dessas alavancas pode variar de uma máquina pra outra, havendo mais em uma, menos em outra.
Durante a vida, uma máquina pode formar muitas alavancas para ser posta em funcionamento, enquanto outra será comandada por um pequeníssimo número delas. O tempo previsto para a formação dessas alavancas é limitado. Esse tempo depende por sua vez da hereditariedade e das condições geográficas. Em média, essas alavancas se constituem durante sete ou oito primeiros anos. Depois, até os quatorze ou quinze anos, ainda podem sofrer modificações. Mas, após dezesseis ou dezessete anos, nenhuma alavanca pode mais ser formada ou modificada. Isso significa que, a partir de então, só agirão as alavancas que foram constituídas anteriormente. Tal é a ordem normal das coisas na vida corrente, e de nada valerá o homem se fatigar e se esfalfar, pois ele não mudará nada disso. E isso é verdadeiro até mesmo no que se refere à sua capacidade de aprender. Só podemos aprender coisas novas até os dezessete anos. O que se pode aprender depois é só aprender entre aspas, isto é, algo pura e simplesmente requentado. à primeira vista, isso pode parecer difícil de compreender.
Cada homem com as suas alavancas depende da hereditariedade e do lugar, do círculo social e das circunstâncias em que nasceu e cresceu. O trabalho dos três centros, ou "almas", é semelhante. A estrutura deles é diferente, mas as manifestações são as mesmas.
Tomemos o exemplo do corpo, a máquina que nos é mais acessível.
Quando o homem nasce, seu cérebro é completamente virgem. É como uma matriz de gramofone; tem a propriedade de gravar tudo. No início, e até três meses, é muito sensível, após quatro meses, é menos sensível. No começo, até o ruído da respiração pode ser percebido; uma semana mais tarde, mal se pode ouvir um cochicho. É isso mesmo que acontece com o cérebro humano. De início, ele é muito receptivo: cada novo movimento, choro, grito, riso, tosse, é registrado. Em cada pessoa isso se faz de maneira diferente, subjetiva. Com o tempo, a sensibilidade do cérebro diminui cada vez mais e ele acaba por perder completamente essa faculdade. De modo que a inscrição de novos movimentos, de novas "posturas", cessa inteiramente. Aquilo que teve tempo de se inscrever permanece como um repertório de "posturas" para toda a vida. No fim das contas, um homem disporá de numerosas atitudes, e outro apenas de poucas. Por exemplo, um homem pode ter adquirido cinquenta e cinco atitudes durante o período em que tinha a possibilidade de registrá-las, ao passo que outro, vivendo nas mesmas condições, terá adquirido duzentos e cinquenta. Essas atitudes, isto é, essas alavancas, se constituem em cada centro de acordo com as mesmas leis e aí ficam para o resto da vida. O seu número é limitado; assim, seja o que for que um homem possa fazer, utilizará sempre as mesmas atitudes. Qualquer que seja o papel que queira representar, ele se servirá, de uma combinação das atitudes que já possui, pois nunca terá outras. Na vida comum, não pode haver novas atitudes.
De que modo as posturas, as alavancas põem em movimento um centro, isto é, como um centro se manifesta?
Continuarei... Vania 09/11/2009 - 00h01.

O ROUXINOL E A ROSA - OSCAR WILDE

Essa história de fada me foi apresentada por outra grande amiga - Luciana M. Sado. Procuro evitá-la sempre, pois invariavelmente me leva às lágrimas!

O ROUXINOL E A ROSA
"- Ela disse que dançaria comigo se eu lhe trouxesse rosas vermelhas - lastimou-se o jovem Estudante -, porém em todo o meu jardim não existe uma única rosa vermelha.
De seu ninho no grande carvalho o Rouxinol ouviu-o, olhou por entre as folhagens e ficou pensando.
-Nem uma única rosa vermelha em todo o meu jardim! - chorou o Estudante, e seus lindos olhos ficaram marejados de lágrimas. - Ai, como a felicidade depende de pequenas coisas! Já li tudo que escreveram os homens sábios, conheço todos os segredos da filosofia, mas por falta de uma rosa vermelha minha vida está desgraçada.
-Finalmente encontro um verdadeiro amante - disse o Rouxinol. - Tenho cantado esse ser noite após noite, mesmo sem conhecê-lo: noite após noite contei sua história às estrelas, e só agora o encontrei. Seus cabelos são escuros como a flor do jacinto, e seus lábios rubros como a rosa de seus desejos, porém a paixão tornou seu rosto pálido como o marfim e a tristeza selou sua testa.
- O Principe dá um baile amanhã à noite - murmurou o jovem Estudante -, e o meu amor estará entre os presentes. Se eu lhe levar uma rosa vermelha ela dançará comigo até de madrugada. Se eu lhe der uma rosa vermelha eua a terei em meus braços, e ela deitará sua cabeça sobre o meu ombro, com sua mão presa na minha. Mas não há uma única rosa vermelha em meu jardim, de modo que ficarei abandonado em meu lugar e ela há de passar por mim. Ela nem irá me notar, e meu coração ficará partido.
-Aí está, de fato, um verdadeiro amante - disse o Rouxinol. - Ele sofre tudo o que eu canto: o que é alegria em mim, para ele é dor. Sem dúvida o amor é uma coisa maravilhosa. Ele é mais precioso do que a esmeralda e mais refinado que a opala. Nem pérolas e nem granadas o podem comprar, e nem é ele exposto nos mercados. Ninguém pode comprá-lo de mercadores, nem pode ser pesado nas balanças feitas para pesar ouro.
- Os músicos vão ficar em sua galeria - disse o jovem Estudante. - Tocarão seus instrumentos de cordas, e o meu amor dançará ao som da harpa e do violino. Ela irá dançar com tal leveza que seus pés nem tocarão o chão, e os cortesãos, com suas roupas alegres, ficarão amontoados em volta dela. Porém comigo ela não irá dançar, porque não lhe dei uma rosa vermelha - e atirou-se na relva, entrerrou o rosto entre as mãos, e chorou.
- Por que é que ele está chorando? - perguntou o Lagartinho Verde, ao passar por ele com o rabinho empinado para o ar.
- Por que será? - disse uma Borboleta, que estava esvoaçando atrás de um raio de sol.
- É mesmo, por que será? - sussurou uma Margarida a seu vizinho, com voz suave e baixinha.
- Está chorando por uma rosa vermelha - disse o Rouxinol.
- Por uma rosa vermelha? gritaram todos. - Mas que coisa ridícula! - e o Lagartinho Verde, que era um tanto cínico, caiu na gargalhada.
Mas o Rouxinol compreendeu o segredo da trsiteza do Estudante, e ficou em silêncio debaixo do carvalho, pensando sobre o mistério do Amor.
Repetidamente ele abriu as asas para voar e subir para os ares, passando pelo bosque como uma sombra e, como uma sombra, deslizar através do jardim.
Bem no centro do gramado havia uma linda Roseira e, ao vê-la, o Rouxinol voou para ela e pousou em seu ramo.
- Dê-me uma rosa vermelha - exclamou ele - que eu lhe cantarei minha mais doce canção.
Mas a roseira não estava interessada.
- Minhas rosas são brancas - respondeu. - Brancas como a espuma do mar, e mais brancas do que a neve das montanhas. Mas vá até minha irmã que cresce junto ao relógio de sol, que talvez ela lhe dê o que quer.
E então o Rouxinol voou para a Roseira que crescia ao lado do velho relógio de sol.
- Se você me der uma rosa vermelha - griotu ele -, eu canto para você minha mais doce canção.
Mas a roseira sacudiu a cabeça.
- Minhas rosas são amarelas - respondeu ela -, tão amarelas quanto os cabelos da sereia que se senta em um trono de âmbar, e mais amarelas do que os junquilhos que florescem no campo antes do ceifador aparecer com sua foice.
Mas pode ir até minha irmã que cresce debaixo da janela do Estudante, que talvez ela lhe dê o que está procurando.
E então o Rouxinol voou até a Roseira que crescia debaixo da janela do Estudante.
- Se você me der uma rosa vermelha - gritou ele -, eu canto para você minha mais doce canção.
Mas a roseira sacudiu a cabeça.
- Minhas rosas são vermelhas - respondeu ela -, vermelhas como os pés da pomba e mais vermelhas do que os grandes leques de coral que abanam sem parar nas cavernas do oceano. Mas o inverno congelou minhas veias, a geada cortou meus botões, a tempestade quebrou meus galhos, e não terei uma só rosa este ano.
- Eu só quero uma rosa - gritou o Rouxinol. - Apenas uma rosa vermelha! Não haverá nenhum jeito de consegui-la?
- Só há um respondeu a Roseira -, mas é tão terrível que não ouso contar.
- Pode contar - disse o Rouxinol -, eu não tenho medo.
- Se quiser uma rosa vermelha - disse a Roseira -, você terá de construi-la de música ao luar, tingindo-a com o sangue do seu prórpio coração. Terá de cantar para mim com seu peito de encontro a um espeinho. Terá de cantar para mim a noite inteira, e o espinho terá de furar o seu coração, e o sangue que o mantém vivo terá de correr para as minhs veias, transformandos-se em meu sangue.
- A Morte é um preço alto para se pagar por uma rosa vermelha - exclamou o Rouxinol -, e a Vida é muito cara a todos. É tão agradável ficar parado no bosque verde, olhar o sol em seu carro de ouro, e a Lua em seu carro de pérolas. Doce é o perfume do pilriteiro, doces são as campânulas que se escondem no vale, e as urzes que balançam nas colinas. No entanto, o Amor é melhor do que a Vida, e o que é o coração de um passarinho comparado com o coração de um homem?
Com isso ele abriu as asas e alçou vôo para os ares. Passou célebre sobre o jardim e como uma sombra deslizou pelo bosque.
O jovem Estudante ainda estava deitado na relva, onde ele o havia deixado, e as lágrimas ainda não haviam secado em seu lindo rosto.
Fique contente - cantou-lhe o Rouxinol -, fique contente. Você terá sua rosa vermelha. Eu a construirei com minha música ao luar, tingindo-a com o sangue do meu próprio coração. E só o que peço em troca é que você seja um amante fiel e verdadeiro, pois o Amor é mais sábio do que a Filosofia, embora ela seja sábia, e mais poderoso do que o Poder, embora este seja poderoso. Cor das chamas são suas asas, e cor das chamas é o seu corpo. Seus lábios são doces como o mel, seu hálito como o incenso.
O Estudante olhou para o alto e ouviu, mas não compreendeu o que o Rouxinol dizia, porque só conhecia as coisas escritas nos livros. Mas o Carvalho compreendeu e ficou triste, porque gostava muito do Rouxinol, cuja família tinha o ninho em seus ramos.
- Cante-me uma última canção - sussurou ele -, vou sentir-me tão só quando você se for.
Então o Rouxinol cantou para o Carvalho, e sua voz parecia a água quando sai slatitando de um jarro de prata.
Quando a canção acabou, o Estudante se levantou e tirou do bolso um caderninho de notas e um lápis.
-Ele tem forma - disse para si mesmo, enquanto caminhava pelo bosque -, isso ninguém pode negar. Mas será que tem sentimentos? Temo que não. Na verdade, deve ser como a maioria dos artistas: é todo estilo, sem qualquer sinceridade. Ele jamais se sacrificaria pelo outros. Só pensa em música, e todo o mundo sabe que as artes são egoístas. Mesmo assim, é preciso admitir que sua voz tem algumas notas lindas. Que pena não significarem nada, nem terem qualquer utilidade prática!
E foi para o seu quarto, onde se deitou em seu pequeno catre e, depois de pensar algum tempo em sua amada, adormeceu.
Quando a lua começou a brilhar no céu, o Rouxinol voou para a Roseira e encostou o peito no espinho. Durante toda a noite ele cantou, com o peito no espinho, enquanto a fria Lua de cristal curvava-se para ouvir. Ele cantou a noite inteira e o espinho entrava cada vez mais fundo em seu peito, enquanto seu sangue escorria para fora.
Primeiro ele cantou sobre o nascimento do amor no coração de um rapaz e de uma moça. E no ramo mais alto da Roseira foi florescendo uma rosa maravilhosa, pétala por pétala, à medida que uma canção seguia outra. A princípio ela era pálida como a névoa que paira sobre o rio, pálida como os pés da manhã e prateada como as asas da madrugada. Como a sombra de uma rosa em uma lagoa, assim era a roa que floresceu no ramo mais alto da Roseira.
Mas a Roseira ficava gritando pra o Rouxinol se apertar cada vez mais ao encontro do espinho.
- Aperta mais, Rouxinol - gritava a Roseira -, senão o dia chega antes que a rosa esteja pronta.
E o Rouxinol fazia cada vez mais pressão contra o espinho, e cantava cada vez mais alto, pois estava cantando o nascimento da paixão entre a alma de um homem e uma donzela.
E um delicado enrubescer rosado apareceu nas folhas da rosa, como o enrubescer no rosto do noivo quando ele beia os lábios da noiva. Mas o espinho ainda não havia atingido o coração, de modo que o coração da rosa permanecia branco, pois só o sangue do coração de um Rouxinol pode deixar rubro o croação de uma rosa.
E a Roseira gritava para o Rouxinol enfiar mais e mais o peito de encontro ao espinho.
- Mais ainda, pequeno Rouxinol - gritava a Roseira -, senão o dia chega antes de a rosa estar pronta.
E o Rouxinol foi se apertando cada vez mais de encontro ao espinho, e o espinho tocou-lhe o coração, e um terrível golpe de dor passou por toda a avezinha. A dor era horrível, horrível, e a canção foi fucando cada vez mais enlouquecida, pois agora ela cantava o Amor que fica perfeito com a Morte, o Amor que não morre no túmulo.
E a rosa maravilhosa ficou rubra, como a rosa do céu do oriente. Rubro era todo o círculo de pétalas, e rubro como um rubi era o seu coração.
Mas a voz do ouxinol foi ficando mais fraca, suas asinhas começaram a se debater, e um névoa cobriu seus olhos. Cada vez mais fraca foi ficando sua canção, e ele sentiu alguma coisa que sufocava sua garganta.
E então ele soltou uma última porção de música. A Lua branca ouviu-a e se esqueceu da madrugada, ficando no céu. A rosa vermelha também ouviu, estremeceu toda em êxtase, e abriu suas pétalas ao frio ar da manhã. O eco levou-a até sua caverna púrpura nas colinas e despertou de seus sonhos os pastores que dormiam. Ela flutuou até os juncos do rio, e estes levaram sua mensagem para o mar.
- Veja, veja! - gritou a Roseira. - Agora a Rosa está pronta.
Mas o Rouxinol não respondeu, pois tinha caído morto no meio da relva, com o espinho atravessado no peito.
Ao meio-dia o Estudante abriu sua janela e olhou para fora.
- Ora, mas que sorte maravilhosa! Exclamou ele. - Eis ali uma rosa vermelha! Jamais vi uma rosa como essa em toda a minha vida. É tão bonita que estou certo de que deve ter algum nome em latim! - e, debruçando-se, colheu-a.
Depois ele botou o chapéu e correu para a casa do Professor, com a rosa na mão.
A filha do professor estava sentada na porta, enrolando um fio de seda azul em um novelo, com o cachorrinho deitado a seus pés.
- Você disse que dançaria comigo se eu lhe troxesse uma rosa vermalha - exclamou o Estudante. - Aqui está a rosa mais vermelha do mundo inteiro. Use-a junto ao seu coração hoje à noite, e enquanto estivermos dançando eu lhe direi o quanto a amo.
Mas a moça franziu o cenho.
- Receio que ela não combine com o meu vestido - respondeu. - E, além do mais, o sobrinho do Camerlengo mandou-me uma jóia de verdade, e todos sabem que as jóias custam muito mais do que as flores.
- Você é muito ingrata - disse o Estudante com raiva, e atirou a rosa na rua, onde ela caiu na sarjeta e uma carroça acabou passando por cima.
- Ingrata? - disse a moça. - Pois fique sabendo que você é muito rude e, afinal, quem é você? Apenas um estudante. Ora, não creio sequer que tenha fivela de prata para seus sapatos, como as que tem o sobrinho do Camerlengo - e, levantando-se de sua cadeira, entrou na casa.
- Que coisa tola é o Amor! - disse o Estudante, enquanto se afastava. - Não tem a metade da utilidade da Lógica, pois não prova nada, e fica sempre dizendo a todo mundo coisas que não vão aocntecer, fazendo com que acreditemos em coisas que não são verdade. Enfim, não é nada prático e, como hoje em dia ser prático é o importante, vou voltar à Filosogia e estudar Metafísica.
E voltou para seu quarto, onde pegou um enorme livro todo empoeirado e começou a ler."
Perguntas:
  • Quem é esse pássaro que dá a própria vida por Amor a um Homem?
  • Que simbolismos têm esse sacrifício que parece ter sido em vão ou desperdiçado?
  • Quem é esse Rouxinol dotado de sentimentos incompreensíveis para o Homem?
  • Como ama cada ser da criação, incluindo plantas, animais e homens? Podemos atribuir superioridade aos Homens no contexto que aqui se apresenta?
  • Quantas exigências, quantas trocas... qual a natureza delas e a quais desígnios atendem?

É para refletir... eu não canso de me indignar cada vez que leio este conto, assim como causa-me indiganação o que nós humanos fizemos com o Sacrifício do Cristo!

Esse conto é do livro Histórias de Fadas de Oscar Wilde - Ed. Nova Fronteira.

sábado, 7 de novembro de 2009

PARTICIPAÇÃO EVENTO ESCOLAR - "A MOCINHA TECELÃ"

Hoje tive a honra de ser convidada na Escola Estadual Maria Osório - em S. Bernardo do Campo, para prestigiar a apresentação de alguns alunos da 7ªsérie/8ºano, dentre os quais a mocinha de 13 anos - Monique - sobrinha de Nanci que em 2008 foi minha aluna no curso de Letras e para quem apresentei o conto "A Moça Tecelã" - de Marina Colasanti.

Este conto - literatura de qualidade ímpar, de outra escritora brasileira muito especial... tocou a mim, quando apresentado por uma amiga - Solange... e daí por diante causou uma reação em cadeia que vem tocando a todos com quem se depara, o tear não para o movimento com os fios:
  • Tocou Nanci - que está construindo seu TCC - Trabalho de Conclusão de Curso - Letras - que estou orientando.
  • Tocou Monique - que o traduziu para o espanhol e apresentou hoje para uma platéia seleta de pais, mães (a sua Lucélia), avós (a sua Nanete), irmãos, professores (a sua incentivadora profª. Leila), colegas e demais convidados.
  • Tocará você, pois todos tecemos algo precioso a cada minuto: a própria vida!

Parabéns mocinha tecelã = Monique, que tece a própria vida com ternura e encanto do alto dos seus 13 anos.

Confira o fabuloso conto no Livro: Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento de Marina Colasanti - Ed. Círculo do Livro.

Vania Longo - 07/11/2009 - 23h35

MINI-CONTO LYGIA FAGUNDES TELLES

"Fui me confessar ao mar. O que ele disse? -Nada."

A nossa estupenda escritora brasileiríssima e contemporânea - Lygia Fagundes Teles.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

MIA COUTO O MARAVILHOSO ESCRITOR MOÇAMBICANO

Conheci Mia Couto lendo uma redação de uma professora chamada Suzana numa Seleção de Pessoal Docente em 2007; daí por diante fui acometida por um clarão que ora é de espanto, ora é de surpresa, ora é um suspiro supenso no ar. Presentes existem para quem sabe presentear-se!

Comecei lendo Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra - qualquer semelhança com o nosso Guimarães parece não ser mera coincidência... num dos programas Roda Viva da TV Cultura em que Mia foi entrevistado (pois esteve na FLIP - Feira Literária de Parati em 2008); ele menciona o estreito laço que possui com escritores brasileiros - dentre eles Guimarães Rosa.

Vou transcrever agora um extracto que segue o conto: O peixe e o Homem:

"Pois que fez Santo António? Mudou somente o púlpito e o auditório [...] Deixa as praças, vai às praias; deixa a terra, vai ao mar e começa a dizer a altas vozes: já que não me querem ouvir os homens, ouçam-me os peixes. Oh, maravilhas do Altíssimo! Oh, poderes do que criou o mar e a terra! Começam a ferver as ondas, começam a concorrer os peixes, os grandes, os maiores, os pequenos, e postos todos na sua ordem com as cabeças de fora d'água, António pregava e eles ouviam."
(Extracto do Sermão de Santo António, Padre António Vieira)

Este extracto, bem como o conto encontra-se no livro: O fio das missangas - Mia Couto - Companhia das Letras.

Deleite-se com essa literatura de alta qualidade...

Vania Longo - 07 de novembro de 2009 - 1h03