terça-feira, 24 de novembro de 2009

A SOMBRA E A PERCEPÇÃO NO CINEMA

OS MISTÉRIOS DO REAL E DO IMAGINÁRIO - EDGAR MORIN
Estou lendo O Cinema ou o Homem Imaginário de Edgar Morin, outro autor estupendo, não percam! O livro foi escrito em 1956 e vocês não imaginam a profundidade!
Vou transcrever um trecho da página 56 do Capítulo - Dificuldade e Gênio do Cinematógrafo:
"A visão cinematográfica ganha corpo a partir das sombras que se movem sobre o ecrã (quadro branco onde se projeta a imagem de um objeto - Dicionário Aurélio). A substancialização está, pois, directamente ligada à densidade, ou melhor, à a-densidade do não ser, do grande vácuo negativo da sombra. Se acrescentarmos que as condições de obscuridade, favoráveis à projeção, o são correlativamente à magia da sombra e, ao mesmo tempo, a uma certa descontracção para-onírica do espectador, há que concluir que o cinematógrafo se acha muito mais marcado pela sombra do que a fotografia. Ou esteve-o, pelo menos, até ao aparecimento da cor, se bem, mesmo depois, ainda hesite entre uma vida de sombra e uma vida de puro reflexo. É possível, digamos mesmo que não há dúvida, que o lado de reflexo irá finalmente acabar por se sobrepor ao da sombra. Mas, a despeito do enriquecimento trazido pela cor, a resistência do preto e branco é significativa (*Na altura em que Morin escreve, o preto e branco "resiste", sobretudo, por razões econômicas). Cinema a cores e cinema a preto e branco são, de resto, tão isótopos como isómeros um do outro. Tendo, pois, em conta as suas possibilidades cromáticas, o cinematógrafo veio inscrever-se na linha dos espetáculos de sombra, do Wayang javanês a Robertson (1763-1837). Compreende-se, assim, melhor o parentesco acima apontado: de caverna em caverna, desde as cavernas de Java, das cavernas dos mistérios helênicos, daquela outra, mítica, de Platão, até às salas escuras, surgem-nos sempre, animadas e fascinantes, as sombras fundamentais do universo dos duplos. (...)
(...) O operador filtra, canaliza ou espalha sombras e luzes, a fim de sobrecarregar ao máximo a imagem de potências afectivas: "ao vivo, o horror nunca é tão aterrador nem a beleza tão envolvente, como o horror e o encantamento que a sombra nos sugere" (Bela Balazs). Também, inversamente, o operador pode, apagando todos os vestígios de sombra, tornar radiantes a alma a espiritualidade dos rostos. É mesmo possível a sombra substituir-se, dentro dum certo limite, aos actores, e desempenhar o principal papel num filme. No limite contrário, aparece-nos a imagem dum universo que, perdidas as suas sombras, se acha, por isso mesmo, igualmente detentor da virtude qualitativa do duplo. A cor, sem lhe mudar a natureza estética, orienta a imagem sem sentido diferente: o que domina é a qualidade de reflexo. O cinema ganha em encantamento, mas perde em encanto."
No cinema como na vida, o jogo de luz e sombra, a imagem revelada no seu contrário, o encantamento ilusório vencendo o encanto do real. Arte ou vida? Arte e vida! É na completude dos extremos que se busca o caminho do meio do Zen, que pode levar à verdade o buscador!
Que assim seja!
Vania Longo 25/11/2009 - 00h49

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